Publicado em 25 de outubro de 2012 por Depto Comunicação
Motivo seria a escassez cada vez
maior do recurso natural
Para o autor, o pesquisador Frederick Kaufman, da
City University of New York, nos Estados Unidos, a mercantilização pioraria
ainda mais a falta do líquido em inúmeras regiões do globo. “Seria um desastre
para os mais pobres do mundo, que já sofrem sem poços, sem água encanada, sem
sistemas modernos de irrigação”, afirma. “A água financeirizada teria um efeito
esmagador, tornando cada vez mais difícil de eliminar a pobreza e elevando o
número total de miseráveis em todo o mundo”, diz.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas
(ONU), atualmente cerca de 1,4 bilhão de pessoas têm dificuldade de acesso à
água potável, seja por inexistência de sistemas de encanamento, por problemas
climáticos ou pela falta de tecnologia para extrair o recurso do solo. Além deles,
pelo menos 2,3 bilhões de homens e mulheres não têm acesso a saneamento básico.
Isso significa dizer que 3,7 bilhões de seres humanos, mais de metade da
população mundial, enfrentam algum tipo de dificuldade severa em relação à
água. E esses números não incluem, por exemplo, quem sofre com o racionamento,
comuns em grande cidades do país nos períodos de estiagem.
Um exemplo do que pode ocorrer caso haja o
aprofundamento da mercantilização da água é dado pelo mercado de commodities
alimentares como a soja, o milho e o trigo. Os preços desses produtos atingiram
no último ano suas máximas históricas. “Um sistema global de preços de
alimentos beneficiou os agricultores. Já os padeiros e consumidores foram
submetidos a derivativos financeiros criados por bancos de investimento”,
aponta Kaufman. Ou seja, na matemática mercadológica, especuladores ganham e o
consumidor final sai perdendo.
Uma das causas é a dificuldade dos governos em
regulamentar este filão de mercado. Nos Estados Unidos, um pacote de medidas
para evitar especulação com alimentos acabou na Justiça, onde está parado há
anos, segundo o pesquisador, por pressão dos mercados que ganharam mais poder
de manobra depois que a crise mundial minou empregos. “É muito difícil regular
o negócio de commodities globais, que movimenta US$ 648 trilhões em todo o
mundo”, alerta o norte-americano.
Sem medida
A possibilidade de mudança do status da água de bem
natural para produto negociado em bolsa é fruto, em grande parte, da exploração
excessiva do bem, que vem se tornando tão escasso quanto ouro e petróleo. “Os
aquíferos, relativamente, são poucos e estão sendo explorados. Eles,
infelizmente, são fundamentais para a agricultura em uma série de países”,
explica o pesquisador Tom Gleeson, da Universidade de Montreal, no Canadá.
“Esses são recursos críticos que precisam de uma melhor gestão”, completa o
especialista.
Ele lembra ainda que os efeitos da exploração
excessiva da água, apesar de graves, são pouco mensuráveis pelos cientistas. “O
efeito para o abastecimento é imprevisível”, afirma. Gleeson, no entanto, diz
não ser possível determinar exatamente quanto uma ação que dificulte o acesso à
água seria catastrófica, tanto para o usuário doméstico quanto para a
agricultura.
A primeira vez que o direito à exploração passou a
ser negociada como um produto mercadológico foi em 1996, na região da
Califórnia ocidental, nos EUA. A região de 2 mil quilômetros quadrados
movimenta mais de US$ 1 bilhão em alimentos por ano, sendo o principal distrito
de agricultura irrigada dos país. Por lá, há 16 anos, foi introduzido um
sistema de comércio eletrônico em que os agricultores locais podem negociar
entre si o direito de uso da água subterrânea e de superfície, que, assim como
no Brasil, é regulamentado – e limitado – por lei. De lá pra cá, a iniciativa
cresceu. Apenas entre 2010 e 2011, o mercado de água cresceu 20%, atingindo em
todo o mundo o valor de US$ 11,8 bilhões.
Apesar dos números vultosos, Frederick Kaufman
ainda vê a possibilidade de evitar o problema. “A transformação da água em uma
commodity não é inevitável. Podemos pará-la antes que comece”, afirma. Ele
defende uma regulamentação do setor, especialmente nas Américas e na Europa,
onde o processo está mais acelerado. O recurso, defende, deve continuar sendo
um bem universal. “Há forças que empurram para a regulamentação, mas há forças
opostas a favor dos negócios de derivados. Ainda não existem ‘limites de
posição’ para os banqueiros quando se trata de comida (e água)”, conclui.
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